Por 6 votos a 5, STF nega habeas corpus e abre caminho para prisão de Lula

O Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou na madrugada desta quinta-feira, por 6 votos a 5, o pedido de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, solicitado pela defesa para tentar evitar que ele fosse preso até que o processo chegasse ao fim em todas as instâncias da Justiça. A votação, iniciada na tarde de quarta-feira, durou 10 horas e meia.

Por 6 votos a 5, STF nega habeas corpus e abre caminho para prisão de Lula
Votação do habeas corpus de Lula durou 10 horas e meia e foi encerrada com placar de 6 a 5 pela rejeição do pedido.
O Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou na madrugada desta quinta-feira, por 6 votos a 5, o pedido de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, solicitado pela defesa para tentar evitar que ele fosse preso até que o processo chegasse ao fim em todas as instâncias da Justiça. A votação, iniciada na tarde de quarta-feira, durou 10 horas e meia.

Com a decisão do Supremo, Lula pode ser preso assim que se esgotarem os recursos na segunda instância - o prazo final para apresentação dos recursos é no próximo dia 11. Em janeiro, o ex-presidente foi condenado em segunda instância a 12 anos e 1 mês de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no processo do tríplex do Guarujá (SP).

Votaram pela concessão do habeas corpus Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello. Pela rejeição, votaram Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Rosa Weber, cujo voto era o mais esperado.

A corte seguiu entendimento de 2016, segundo o qual a prisão pode ocorrer a partir da condenação na segunda instância. Além do habeas corpus em si, os ministros divergiram se o julgamento desta quarta-feira valeria apenas para Lula ou se poderia reabrir o debate sobre a prisão após segunda instância em geral.

Rosa Weber, o voto decisivo


O voto da ministra Rosa Weber era o mais esperado do dia, por ser considerado decisivo. No julgamento sobre o mesmo tema, em 2016, Weber foi voto vencido - ela era contra a prisão após a segunda instância. Mesmo assim, passou a adotar a posição da corte, negando pedidos de habeas corpus parecidos com o de Lula. Por isso, havia dúvidas sobre qual seria o teor do seu voto.

"Tendo integrado a corrente minoritária, passei a adotar nessa Suprema Corte a orientação hoje prevalecente, de modo a atender o dever de equidade - tratar casos semelhantes de forma semelhante - e o princípio da colegialidade (maioria)", declarou.

Em sua fala, Weber destacou a importância de "decidir casos similares de forma semelhante". Afirmou ainda que a jurisprudência não pode ser instável (ou seja, que as regras não podem mudar toda hora) e que é preciso respeitar a decisão coletiva do plenário do STF - "vozes individuais vão cedendo em favor de uma voz institucional, objetiva".

"Sendo prevalecente nesse STF o entendimento de que a execução provisória não compromete o princípio de presunção da inocência, não há como reputar ilegal, abusivo ou teratológico acórdão que rejeita habeas corpus, independentemente da minha posição pessoal quanto ao tema de fundo", disse, sinalizando pela primeira vez que votaria contra o habeas corpus de Lula.

Nesse momento do julgamento, Weber foi interrompida pelo ministro Ricardo Lewandowski: "Então a corte não pode evoluir jamais". O ministro Marco Aurélio emendou: "A minha perplexidade é grande". Ambos são favoráveis à prisão apenas após o fim do processo em todas as instâncias.

"Quem acompanha meus 42 anos de magistratura não poderia ter dúvida sobre o meu voto", rebateu Weber.

Após o voto da ministra, Marco Aurélio criticou a presidente do STF Cármen Lúcia: "Que isso fique nos anais do tribunal. Vence a estratégia, o fato de Vossa Excelência não ter pautado as Ações Declaratórias de Constitucionalidade".

O ministro se referia ao fato de Cármen Lúcia não ter colocado em votação no plenário do STF duas ações que poderiam mudar a jurisprudência - ou seja, estabelecer uma nova regra geral para a prisão após segunda instância. Essas ações, de relatoria de Marco Aurélio, estão liberadas para julgamento desde dezembro. Cármen Lúcia, porém, tem resistido a colocá-las em julgamento.

"Será registrado", concluiu Cármen Lúcia.

Gilmar Mendes pediu para votar antes


O ministro Gilmar Mendes pediu para antecipar sua manifestação e ser o segundo a votar, por ter viagem marcada para Portugal. Para ele, o julgamento do habeas corpus de Lula não se restringe à situação do petista, mas deve ser visto como uma decisão do STF para todos os casos de condenados em segunda instância. A posição de Gilmar foi apoiada em plenário pelos ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski.

Como já era esperado, Gilmar votou pela concessão do habeas corpus a Lula. Adotou, porém, uma posição intermediária: que o cumprimento da pena seja autorizado depois que os recursos do condenado sejam recusados no Superior Tribunal de Justiça (STJ) - tese do ministro Dias Toffoli.

O voto de Gilmar representa uma mudança em relação a seu posicionamento no último julgamento sobre o tema, em 2016, quando declarou ser a favor da prisão após segunda instância. Ainda antes, em 2009, ficou contra.

O ministro indicou que mudou de opinião novamente "após fazer uma reflexão". Segundo Gilmar, a decisão de 2016 previa que a prisão após condenação em segunda instância era "possível". Porém, a partir de então, passou a ser decretada de forma "automática", disse Gilmar. Isso teria levado o ministro a rever seu posicionamento sobre a matéria.

Por conta das mudanças de opinião, Gilmar disse estar sofrendo pressão da imprensa. "Não lembro em todos esses anos de uma mídia tão opressiva, até chantagista". Criticou também os "petistas", que teriam contribuído para o clima de intolerância na sociedade brasileira, segundo Gilmar.

'Se nós voltarmos atrás, essas transformações que finalmente estamos conseguindo no Brasil, vão regredir e o crime vai voltar a compensar', declarou Barroso.

Fachin, Moraes, Barroso, Fux e Cármen: pela rejeição do habeas corpus


O julgamento começou com o voto do ministro Edson Fachin, relator do habeas corpus de Lula. Fachin afirmou que o julgamento não reabre de forma ampla a discussão sobre prisão a partir da condenação em segunda instância, mas se trata de análise do caso específico de Lula. O voto do ministro foi conforme esperado, pela rejeição do pedido de habeas corpus de Lula.

O ministro Alexandre de Moraes, terceiro a votar, também recusou o habeas corpus de Lula. Segundo Moraes, 7 de cada 10 ministros que passaram pelo STF desde 1988 se posicionaram a favor à execução da pena após condenação em segunda instância.

Na sua argumentação, Moraes afirmou que as cortes de segunda instância não podem ser "tribunais meramente de passagem". Lembrou também que a prisão a partir da condenação em segunda instância é aceita em diversos países. Nesse momento, foi interrompido pelo ministro Marco Aurélio: "A Constituição brasileira impede". Moraes, então, rebateu: "A seu ver, ministro".

Em seguida, o ministro Luís Roberto Barroso acompanhou o voto contra o habeas corpus. Para ele, o julgamento desta quarta-feira se restringe ao caso de Lula. O ministro argumentou que não há dúvida sobre o entendimento do STF a favor da prisão após condenação em segunda instância, conforme decidido em 2016. "Sou contra punitivismos em geral. Mas o devido processo legal não é o que não acaba nunca", afirmou.

Barroso ainda argumentou que a proibição da prisão após condenação em segunda instância, que vigorou entre 2009 e 2016, favoreceu a impunidade e o descrédito no sistema penal. "Um sistema penal que não funciona, desperta instintos de realizar justiça pelas próprias mãos (...) Um sistema judicial que não funciona faz as pessoas acreditarem que o crime compensa".

"Se nós voltarmos atrás, essas transformações que finalmente estamos conseguindo no Brasil, vão regredir e o crime vai voltar a compensar. Sem o risco da prisão em segundo grau, (...) acaba o incentivo à delação premiada". O ministro elogiou os resultados da Lava-Jato, que "resultaram em 77 decisões em segundo grau por corrupção e lavagem, em uma única vara, onde as coisas andam".

O ministro Luiz Fux, sexto a votar, também rejeitou o pedido do ex-presidente. Afirmou que o respeito a sua própria jurisprudência é dever do Poder Judiciário. Acompanhando a maioria dos colegas que votaram até agora, Fux disse que não há ilegalidade ou injustiça na decisão do STJ que negou o habeas corpus a Lula.

Última a votar, a presidente do STF Cármen Lúcia afirmou que "esta é uma matéria muito sensível". "Continuo com o mesmo entendimento que marcou o meu voto desde 2009", disse ela, se referindo a sua posição a favor da prisão após condenação em segunda instância. Segundo a ministra, impedir prisão nessa circunstância fere princípio da igualdade, na medida em que as pessoas não têm as mesmas condições de recorrer das suas condenações.

A possibilidade do cometimento de erros judiciais, em primeira e segunda instância, até mesmo em tribunais superiores, é muito grande. Daí a relevância da presunção de inocência', afirmou Lewandowski.

Toffoli, Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello: pela concessão do habeas corpus


Em seguida, foi a vez do ministro Dias Toffoli, que acompanhou Gilmar Mendes no voto a favor do habeas corpus de Lula. Fazendo referência ao voto de Rosa Weber, Toffoli disse que também respeita o princípio da colegialidade (maioria). No entanto, quando o caso volta ao plenário do STF, abre-se espaço para rever a jurisprudência, acrescentou o ministro.

Toffoli defendeu a execução da pena após decisão do STJ, exceto nos casos de condenados por tribunal do júri (que analisam crimes contra a vida, como homicídio), quando a execução da pena poderia ser imediata.

A seguir, votou o ministro Ricardo Lewandowski, pela concessão do habeas corpus. "O combate à corrupção, que é necessário, não justifica flexibilizarmos essa importante garantia (a presunção da inocência)". Segundo o ministro, a presunção de inocência faz parte de uma das cláusulas pétreas da Constituição, relativa aos direitos e garantias individuais. "A meu ver, a presunção de inocência representa a mais importante da salvaguarda do cidadão, considerado o congestionadíssimo sistema judicial brasileiro".

"Em um sistema como esse (com milhares de presos e de processos aguardando julgamento), a possibilidade do cometimento de erros judiciais, em primeira e segunda instância, até mesmo em tribunais superiores, é muito grande. Daí a relevância da presunção de inocência, tal como está grafada na Constituição", afirmou Lewandowski.

"Esse preceito foi redigido de forma taxativa e unívoca pelos membros da Assembleia Nacional Constituinte para resguardar a nação dos inúmeros desmandos cometidos no passado ainda recente. Penso que não é possível, seja a que pretexto for, mitigar essa relevantíssima garantia instituída, não em favor de uma pessoa, mas (em favor) indistintamente da sociedade brasileira, sob pena de irreparável retrocesso institucional", completou.

Marco Aurélio também votou pelo habeas corpus. Contrário à possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, o ministro falou que "no Brasil presume-se que todos sejam salafrários até que se prove o contrário", em vez de se considerar que todos são presumivelmente inocentes. Também voltou a criticar Cármen Lúcia por não ter pautado para julgamento as duas ações declaratórias de constitucionalidade - e que poderiam mudar a jurisprudência da corte.

Ministro mais antigo da Corte, Celso de Mello iniciou seu voto criticando a manifestação de generais pelo Twitter na véspera do julgamento do STF. "Isso tudo é inaceitável", disse. O general-comandante Eduardo Villas Bôas declarou que o Exército "julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia" e foi apoiado por outros militares de alta patente.

Sobre o julgamento em questão, Mello apoiou o habeas corpus. Afirmou que a análise do STF vai além do ex-presidente Lula, porque a presunção de inocência é uma garantia fundamental de todos os cidadãos. Acrescentou ainda que a exigência de prisão apenas após trânsito em julgado "não constitui uma singularidade do constitucionalismo brasileiro. Não é como se diz por aí uma jaboticaba brasileira". Citou, como exemplo, Itália e Portugal.
Por BBC

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